Tem um mundo de coisas acontecendo o tempo todo. Porém, precisamos parar um pouco para percebê-las. No turbilhão da vida atropelamos as histórias alheias e nem nos damos conta de escutá-las. Mas hoje eu escutei as histórias a mim contadas. Cheguei a absorver parte do sofrimento da voz embargada e a sentir as alegrias vividas.
É
bom escutar histórias. Se a nós não trouxer nenhum ensinamento, pelo menos para
quem contou traz satisfação. Hoje eu escutei e me emocionei. Também aprendi
coisas novas e relembrei que a vida prega peças e é, antes de tudo, efêmera.
Sentada
tomando um suco de laranja em padaria na correria da manhã, consenti que
sentasse ao meu lado uma senhora. Foi quando comecei a escutar...
Escutei
e aprendi que existe um povoado chamado Mal Cozinhado. Fica no município de Horizonte.
Lá foi construída uma escola com ajuda da iniciativa privada. O prefeito colocou-a para funcionar e a Sociedade Amigas do Livro (SAL) montou uma linda
biblioteca.
Aproveitei
para descobrir que a SAL existe há mais de 50 anos. É formada por um grupo de
mulheres que promovem ações que valorizam a cultura e a leitura. Já montaram
muitas bibliotecas pelo Ceará, favorecendo centenas de adultos e crianças que
normalmente teriam acesso restrito a livros.
E
por falar em levar livros a quem precisa... Lá na escola de Mal Cozinhado, a
prefeitura contratou um bibliotecário.
Um senhor morador da região, bibliotecário já aposentado mas que nunca
deixou de espalhar livros e cultura por aí. Levava seu baú cheio de livros na
garupa da bicicleta e distribuía nas casas do povoado. Gente que não tinha água
encanada nem certeza de inverno, mas tinha livros.
Em
agradecimento a conversa, dei um exemplar do cordel “O dotô e o caroço” que meu
marido escreveu contando sua história durante a luta contra o linfoma. Ela
solidarizou-se e entristeceu. Ajeitei-me na cadeira e fiquei atenta para mais
uma história que viria.
Eram
mais de 50 anos de casado dos quais ela falava com muito carinho. Porém o
marido já vinha há algum tempo apresentando limitações físicas decorrentes de
um AVC. Tentavam tirar de letra. Sessões de fisioterapia frequentes, contato
próximo com os amigos e uma esposa dedicada eram remédios eficazes. Mas como eu
disse antes, a vida prega peças. O marido dessa senhora cheia de histórias para
contar tinha recebido recentemente diagnóstico de demência. A rotina da casa
estava virando de pernas pro ar.
Essa
história caiu pesada em meus ombros. Mas, de alguma forma, ouvi-la pareceu
aliviar o sofrimento de minha mais nova amiga.
Foi então que ela sugeriu: vamos comer um bolo?
Meu
ar desconfiado a fez explicar a proposta inusitada. Ela contou-me (mais uma
história) que quando era criança e algo de ruim acontecia, sua avó a consolava
oferecendo com carinho um pedaço de bolo e um pouco de café. Desde então, o bolo
é terapêutico.
Escutei
e agora conto para vocês essas histórias. Estou ansiosa para descobrir mais
sobre o bibliotecário de Mal Cozinhado e contar aos meus filhos sobre o baú de
livros na garupa da bicicleta. Contarei também que só soube desta história por
que escutei, e saber escutar é uma qualidade que desenvolvemos e devemos
cultivar.
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