Ou "...Lá do interior do mato, da caatinga do roçado..."
Parque do Caracol - RS |
Há
15 dias, os meninos estavam no meio da mata das araucárias. Correndo da chuva,
ouvindo sotaque gaúcho e usando casaco para o friozinho da serra. Aprenderam
que o que a mamãe chamou de Collie é na verdade uma raça de cão chamada de
Ovelheiro Gaúcho. Viram no mapa o nosso avião cruzar o Brasil de norte a sul.
De
volta a terrinha, fomos passar nosso réveillon na Fazenda Boa Esperança.
Fazenda que era do meu avó Manuelito e hoje é da minha mãe. A fazenda fica no
interior do Ceará em um distrito de Irauçuba chamado Juá. Pois é, no meio do
nada. Ou melhor, no meio da caatinga.
Para
colocar em perspectiva, o Ceará vive uma das piores secas dos últimos 60 anos,
e eu fui com a minha família para um dos municípios que mais sofre com a falta
d’água. Lá minha mãe cria vacas de leite e ovelhas e cultiva muito amor pela
terra. E reza, reza por chuva.
Que
diferença do verde das araucárias para o cinza da caatinga... Essa foi a grande
lição que meus meninos tiveram nesse final de ano. Nem pior, nem melhor; apenas
diferente. Um diferente sofrido, calejado e esperançoso.
Os
meninos viram o que a falta d’água faz com nossa vegetação. Viram como o sol
castiga o chão, pinta o verde de cinza, derruba as folhas e retorce os troncos.
Não viram a seca nos olhos dos bichos pois a vovó Aninha não deixa. Protege
seus animais como quem protege filhos, fura o chão até achar água, puxa da
terra o ouro escondido e mata a sede da sua criação.
Eles
aprenderam que espinho de juazeiro é tão forte que atravessa as Havaianas e
fura o pé. Viram que lá se joga bom futebol no chão batido debaixo do sol
quente. Viram que ser gandula no sertão requer destreza incomparável ao pegar a
bola no meio das juremas (que mais parecem mar de espinhos).
Eles
fizeram xixi no mato para não gastar água da descarga. Tomaram banho de cuia
para economizar água do banho e fizeram de tudo isso uma grande brincadeira.
Viram rã no
banheiro e tiveram medo, porém aprenderam que o canto dela é alento
para o ouvido do sertanejo pois anuncia chuva.
Fizeram
amizades verdadeiras com o fiel vira lata Algodão e com as éguas Morena,
Carolina e Beatriz que nos emprestaram seus lombos para um passeio em família.
Sentiram o carinho do povo do sertão, tão atencioso e acolhedor. Um povo que é
disposto a dar o pouco que tem e que é grato.
Os
meninos aprenderam a matar o tempo. Matar aquelas horas entre 11 e 3 quando o
sol parece se vingar e o vento sopra quente. Aprenderam a jogar xadrez e dama e
a apreciar o gamão. Viram o prazer que
uma boa cerveja gelada dá aos seus pais. Ainda mais no alpendre da
fazenda. Ainda mais quando se conta histórias do bisavó Manuelito. Ainda mais quando não há sinal de celular.
Aula
de geografia, história, xadrez, gratidão, respeito e cultura. Aula que não se
dá em escola. Aula que só se tem colocando o pé na estrada. Aula que será
revisada nas próximas férias. Que venha a chuva para a caatinga surpreender
meus meninos com seu verde brilhante. Que seus ouvidos atentos escutem o canto
da rã e o barulhinho do riacho correndo.
Metamorfose.
Feliz
2015.
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