Às vezes faço a ponta do lápis dele.
Abro o estojo como quem bebe água no copo em que ele bebeu,
buscando seus segredos. Só lápis,
borracha, uma cola bastão e uma régua. Calados estão e assim permanecem, não
revelam um só segredinho sequer. Na certa, a noite ganham vida tal Woody e Buzz
e saem a tagarelar todas as histórias que eu gostaria de ouvir. As histórias do
dia dele na escola.
Enquanto aponto o lápis de forma quase a esculpir uma ponta,
penso no “F”. Que letra complicada essa... Será que ele já consegue escreve-la
direitinho? Vendo assim, o “F” parece inofensivo, mas em letra cursiva assusta.
Será que a professora o repreende pelo “F” mal feito, ou os amigos riem dele?
Ah, quem me contaria...
Como quem acha um presente de natal antes da hora, encontro,
ao devolver o estojo com o lápis de ponta já feita, um desenho em sua mochila:
Aula
de Filosofia -
Felicidade
1000
x 0
E logo abaixo havia o desenho de 6 amigos no que parecia uma
quadra de futebol. Sim, quase consigo reconhecer todos eles.
Que presente! Descobrir o que representa “felicidade” para o
meu menino nos dias de hoje. Ganhar de 1000 a zero no futebol. Alemães nunca
ousaram sonhar com um 7 x 1, e meu menino sonha com 1000 x 0.
Após alguns minutos contemplando o desenho, volto a franzir
a testa como de costume. O “F”! O desenho tinha que ser na aula de
“F”ilosofia e sobre “F”elicidade?
Ele ainda não sabe escrever o “F” direito. Só ele. A pedra
no meio do alfabeto de letra cursiva.
Não tem jeito, penso comigo.
Neste momento decido intervir. Retiro novamente o estojo da
mochila, encontro o lápis apontado de forma perfeita. Mas essa ponta não serve.
Concentro-me e refaço meu trabalho, desta vez com a ponta mágica, aquela que
faz meninos aprenderem a escrever o “F”.
Sempre tento não intervir ( não gosto de gastar a magia
materna a toa), mas desta vez tive que faze-lo.
O “F” mal feito estava atrapalhando a “felicidade” do meu menino. Nada
pode atrapalhar a felicidade do meu rapaz!
E que venham os 1000 gols.
(Só Pelé!)
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