A humanidade acha seus vilões de tempos
em tempos e a medicina vai na mesma onda. Da minha geração de adolescente e
estudante de medicina o fumo foi o escolhido da vez. Hoje vivemos com a sombra
negra da obesidade sobre nossas cabeças. Durante a faculdade, eu que fui da
“geração leite ninho” aprendi a importância do aleitamento materno e tento
propagar a idéia sempre que posso. Porém, difundir as vantagens e incentivar o
ato é uma coisa, outra coisa é gerar culpa e ansiedade, pintando de vilão
mortal os leites infantis e de comparsa as mães que recorrem a eles.
Os profissionais de saúde devem
entender isso, principalmente os mais jovens. Todos sabemos que o aleitamento
materno exclusivo até os 6 meses de idade é o ideal, mas nunca nos esqueçamos
que nossas vidas atribuladas estão longe de serem perfeitinhas.
Sempre lembramos de dizer que é o
ideal, mas não lembramos de dizer que é difícil, que o mamilo inflama e dói
horrores nas primeiras semanas, que é exaustivo, que você sente sede sem parar
e fome de leão, que ocorrem mastites... E
principalmente, que não será o fim do mundo e que tudo ficará bem, caso você
não consiga.
Tive meu primeiro filho nos Estados
Unidos. Fui muito bem assistida durante o parto e ao sair do hospital, levei
comigo várias cartilhas sobre aleitamento materno e uma bolsa cheia de fórmula
infantil de brinde. Por que não?
Meu estoque de leite materno congelado. |
Li que manifestantes em prol do
aleitamento materno estão tentando impedir que se dê leite infantil de brinde
em maternidades. Discordo. Gostei de ter minha malinha de fórmula infantil,
malinha que me deu tranquilidade e segurança nos primeiros dias caso algo desse
errado com o aleitamento materno. Ou simplesmente caso eu quisesse dormir por 3
horas seguidas, ou se não conseguisse desmamar, ou, ou, ou...
Dei sorte, tinha leite para dar e
vender e desmamava com facilidade. Graças a isso amamentei André, pois no mesmo
país que querem abolir os brindes nas maternidades, não há licença maternidade
para as mães poderem amamentar seus filhos. Santa incongruência!

Chegou-se a comparar o ato de não
amamentar o filho ao ato de fumar durante a gravidez e puerpério. Gostaria de ver
o estudo clínico randomizado sem viés algum que mostre que não amamentar ou
amamentar por curto período prejudica tanto a criança que justifique o tamanho
da culpa da mãe que quer mas não pode amamentar.
A estratégia tem que ser outra e a
pergunta diferente: Como podemos encaixar o maior tempo de aleitamento materno
possível em sua rotina? E trabalhando juntos se consegue mais.
O vilão da vez é a culpa e não a
fórmula infantil. E culpa gera compensação descabida, com crianças super
protegidas e mimadas. E essas sim, são piores para o resto da humanidade do que as crianças que não puderam ser amamentadas.
Aleitamento materno sim, sempre, mas
sem culpa.